terça-feira, 20 de maio de 2014

Análise da obra de Álvaro de Campos (Fernando Pessoa)

Escolhemos 3 poemas para analisarmos, são estes:


POEMA EM LINHA RETA

"Nunca conheci quem tivesse levado porrada.
Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo.

E eu, tantas vezes reles, tantas vezes porco, tantas vezes vil,
Eu tantas vezes irrespondivelmente parasita,
Indesculpavelmente sujo,
Eu, que tantas vezes não tenho tido paciência para tomar banho,
Eu, que tantas vezes tenho sido ridículo, absurdo,
Que tenho enrolado os pés publicamente nos tapetes das etiquetas,
Que tenho sido grotesco, mesquinho, submisso e arrogante,
Que tenho sofrido enxovalhos e calado,
Que quando não tenho calado, tenho sido mais ridículo ainda;
Eu, que tenho sido cômico às criadas de hotel,
Eu, que tenho sentido o piscar de olhos dos moços de fretes,
Eu, que tenho feito vergonhas financeiras, pedido emprestado sem pagar,
Eu, que, quando a hora do soco surgiu, me tenho agachado
Para fora da possibilidade do soco;
Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,
Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Toda a gente que eu conheço e que fala comigo
Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho,
Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida...
Quem me dera ouvir de alguém a voz humana
Que confessasse não um pecado, mas uma infâmia;
Que contasse, não uma violência, mas uma cobardia!
Não, são todos o Ideal, se os oiço e me falam.
Quem há neste largo mundo que me confesse que uma vez foi vil?
Ó príncipes, meus irmãos,

Arre, estou farto de semideuses!
Onde é que há gente no mundo?

Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?

Poderão as mulheres não os terem amado,
Podem ter sido traídos - mas ridículos nunca!
E eu, que tenho sido ridículo sem ter sido traído,
Como posso eu falar com os meus superiores sem titubear?
Eu, que venho sido vil, literalmente vil,
Vil no sentido mesquinho e infame da vileza."


Escrito na forma de uma crônica, como um desabafo e um tapa na cara da sociedade;  aqui ele critica o ser humano em geral, a hipocrisia das pessoas em dizer ser bom em tudo, querendo superficialmente mostrar umas às outras que sua vida é melhor de que de outra pessoa. Ele demonstra enfado de estar em um mundo onde as aparências valem mais de que você é interiormente, onde todas as pessoas usam máscaras sociais  para mostrar o quanto suas vidas são perfeitas. Paradoxalmente, expõe todos os seus defeitos, erros e fragilidades para mostrar o que ele é de verdade, o que somos na realidade, querendo mostrar que sim, todos temos defeitos e falhas, que ninguém é perfeito.



  Quando olho para mim não me percebo

"Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.
O ar que respiro, este licor que bebo,
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente reparei,
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? Serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente."


Escrito na forma de um soneto, ela usa rimas interpoladas nas duas primeiras estrofes e rimas alternadas nas duas últimas. Destaca  aqui o questionamento do seu eu interior, carregado de sensacionismo. Demonstra a confusão de sentimentos do eu lírico, a inquietude perante dúvidas que talvez não possam ser resolvidas. Aqui nota se que o eu lírico está sofrendo uma crise existencial.



Cansaço
"O que há em mim é sobretudo cansaço —
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto em alguém,
Essas coisas todas —
Essas e o que falta nelas eternamente —;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem deseje o impossível,
Há sem dúvida quem não queira nada —
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço,
Íssimno, íssimo, íssimo,
Cansaço..."


Em forma de poema ,e repleto de assonâncias e aliterações, o eu lírico enfatiza o cansaço, usando por diversas vezes esta palavra e usando o adjetivo "supremíssimo", e o sufixo "íssimo" repetidamente para dar ênfase ao cansaço. Demonstra a falta de vontade de  viver, a falta de objetivo e sentido para sua vida. Ele questiona o porquê que ele não consegue ter a mesma vontade pelas coisas e o mesmo sentimento, como as outras pessoas. O eu lírico demonstra ser diferente de outras pessoas, pois no seu íntimo não sente desejos e vontade de um sentido para viver, como é comum no ser humano; com isso, ele demonstra bastante cansaço em não ter sentido sua vida.



Andreza de Camargo
RA: B90506-9

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